19 maio 2007

Elogio ao amor

Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado.
Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Quero fazer o elogio do amor puro.

Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios.
Reunem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas. Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje.
Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá, tudo bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, banalidades, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.

O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não dá para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não está lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem .

Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.

A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.

Miguel Esteves Cardoso


Esclarecidos...? Eu, um pouco como esse senhor, acho que o que se chama amor é o caminho que inconscientemente tomamos sem saber bem para onde vamos... Será isso? O fascinante do amor é que é impossível de classifica-lo, catalogar-lo, descrever-lo. Podemos tentar classificar as suas manifestações, os seus actos, mas o que está por detrás deles é sempre demasiado complexo para escrever numa folha de papel.
Acaba de me vir a cabeça o título de um livro já não sei bem de quem, intitulado "Vai aonde te leva o coração". Creio que esse é o único caminho para chegar ao amor. Eu diria, vai por donde te leve o coração mas sê inteligente e nunca te esqueças aonde queres chegar.
Esta frase poderá ser toda a antítese ao texto do Esteves Cardoso. Não quero saber. Eu sei mais ou menos onde quero chegar. Tenho objectivos na minha vida. Como qualquer outra pessoa diria que o meu objectivo principal é ser feliz. O que diferencia as pessoas é aquilo que necessitam para serem felizes. Cada um, dependendo de como vê o mundo, necessita de diferentes coisas. Procuramos essas diferentes coisas através de tudo na nossa vida, no trabalho, na relação com os outros, e principalmente no amor.
Eu penso que a felicidade mais que nos outros, no trabalho ou no amor está na nossa maneira de ser e de estar. A nossa maneira de ver a vida é que mais influi na nossa "felicidade".
Claro que tudo conta ao nosso redor mas, como diria o Jorge Palma, "o rio que nasce em mim" é que é o fulcro de tudo. Saber dominar essas águas e construir o seu leito são tarefas de uma vida.
Assim como a felicidade e o amor...


8 comentários:

Lena disse...

Eu li "Vai aonde te leva o coracao" da Susana Tamaro, por vezes e muito dificil acreditar em algo, se a sociedade ha mt ja nao acredita!
As pessoas ja nao querem actos de amor porque ja nao estao habituados e quando eles acontecem nao acreditam.
Por vezes parar e pensar que ja somos felizes e o que basta!!!

Anónimo disse...

"amor é o caminho que inconscientemente tomamos sem saber bem para onde vamos"...não posso concordar mais contigo. Hoje em dia todos nós procuramos " ser felizes" e é nessa procura, por muitas vezes igoista, que nós esqueçemos que realemnte estes sentimentos estão interligados e são constituientes fundamentais da natureza humana, sendo desta forma INCONSCIENTES.

Não se procura, apenas apareçe, e quando isso acontecer...tenho a certeza de que seremos felizes.

Temos tudo para isso acontecer.

UM GRANDE ABRAÇO

JÓJÓ

Anónimo disse...

Comecei a ler e pensei: o pilantra está a transformar-se no Miguel Esteves Cardoso! Depois percebi porquê.
Sabes que mais? Uma boa amizade é tudo o que te espera numa relação de longo prazo; isso se te esforçares (mesmo) muito.
Agora, começar por aí... perde-se uma boa parte da emoção de estar vivo.
Mas sobre estas matérias não sei nada já que estou casado :)
Beijos & Abraços.

Anónimo disse...

Será desta?????

JÓjÓ

vareta disse...

À Susana Tamaro faltou-lhe a ombridade de escrever não um romance mas um ensaio intitulado "Vai (ad)onde te leva a tesão"... Que o coração, meus amigos, só nos leva a um de dois lados: o cardiologista ou a agência funerária.

Tens muita razão, Luís - como se diria em Santa Cita, "és mais esperto do que pareces"... - sobre as prioridades e sobre o papel central do "eu". Não há egoísta pior que um altruísta, dizia o meu avô nos quinze minutos de sobriedade de que disfrutava por dia... e cuspia cada pérola, nessas ocasiões... houve um dia em que disse também: "A sopa está fria." - e foi aí que eu percebi que ele era um mestre zen...

Grande abraço

Anónimo disse...

Então, Luís? quando é que voltas a prendar o pessoal com mais um post? está tudo a correr bem por aí?

Abraço!

Anónimo disse...

Gaita!! É que vem cá cada pensador!! Boa Vareta (isto soou muito estranho...), o povo está contigo (o que é sempre uma boa merda, mas pronto).
Luís, fico verdadeiramente emocionado por ver que os teus pensamentos estão a atrair comentários de um valor inestimável (e não é sarcasmo).
Passarei a aumentar a periodicidade das minhas visitas de "esporadicamente"(que é basicamente "quando me apetece")
para "regularmente" (que é basicamente "quando me apetece" mas se me perguntarem eu minto e digo que é todos os dias).
Beijos & Abraços.

eu sei lá bem... disse...

É bom ver que sirvo de ponto de encontro, (fodass que veio-me a cabeça o programa da SICK "Ponto de Encontro") dos meus amigos mais queridos! Ou desocupados, mas eu quero pensar que são queridos...
É bom sentir que mesmo longe a malta vai comunicando...
Um grande abraço para todos!

Vareta não me esqueci de ti! Pensavas que te safavas tão depressa... A ver se este verão posso ir ai, á terra das pérolas Zen, para irmos á Zara Home...
Nã... melhor comer sushi e apanhar uma bezana de shaqué Shoutor!! :)